terça-feira, 15 de outubro de 2024

O Cansaço da Flor Primaveril | Capítulo 1: Parte 1

 Antes de ler:

  • Este texto é uma tradução direta da obra Chūn Huā Yàn (春花厌), originalmente escrita em chinês por Hei Yan. Todos os direitos sobre a obra original são reservados à autora. A tradução aqui apresentada é de minha autoria. Por favor, não copie ou redistribua. Leia diretamente no blog e apoie que este trabalho continue em livepix.gg/laofenghuang.
  • Os links incluídos ao longo do texto atuam como notas de rodapé para facilitar a compreensão dos termos mencionados. Sinta-se à vontade para utilizá-los quando necessário ou simplesmente ignorá-los.

 


O Cansaço da Flor Primaveril |  Capítulo 1: Parte 1

Ela era Quarenta e Três e, assim como as outras pessoas aqui, não tinha nome. Não se lembrava do que aconteceu antes de vir para cá, exceto pelos galhos de pereiras brancas que bloqueavam o caminho das carruagens e dos campos repletos de flores da planta bolsa de pastor. Essa era toda a sua memória de infância.

Então começou o treinamento. O treinamento para se tornar uma guerreira suicida. O resultado mais perfeito do treinamento era aniquilar a natureza humana e o medo da morte, restando apenas a lealdade canina.

Muitos anos depois, ela ainda suspeitava que naquela época havia tomado algum remédio que estragou sua cabeça. Caso contrário, como poderia ter se apaixonado perdidamente por aquele bastardo filho de uma tartaruga?

Na verdade, comparada com outros guerreiros suicidas, ela obviamente não era qualificada. Ela tinha um medo terrível de morrer e, para viver, não se importava em aprender a ser um cachorrinho.


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Quando Quarenta e Três entrou, já havia mais de dez jovens, todas da sua idade, usando véus negros. Sem desviar o olhar, ela caminhou entre elas e se ajoelhou diante da cortina de contas que separava o salão, fixando seus olhos a um palmo de distância de seus joelhos.

“Mestre.”

“A posição de Kun Dezessete, que adoeceu, será preenchida por você.” A voz que veio de dentro parecia tanto masculina quanto feminina, difícil de distinguir, obviamente de propósito.

“Sim.” Quarenta e Três não hesitou nem por um momento, embora ela não soubesse qual era a missão que lhe fora atribuída.

“Muito bem, entre.” A pessoa disse.

Quarenta e Três não ousou se levantar, então curvou-se, apoiando as mãos no chão, e, ainda de joelhos, rastejou para dentro. Assim que atravessou as contas de cristal balançando, ela parou imediatamente.

Um par de botas de brocado verde bordadas com flores escuras apareceu silenciosamente em sua linha de visão, e um perfume suave entrou em seu nariz. Uma sensação de frio repentino surgiu em seu coração. Antes que pudesse entender o motivo, a outra pessoa já havia colocado a palma da mão sobre sua cabeça. Por um instante, sua expressão facial mudou ligeiramente, logo voltando ao normal. Aceitando seu destino, fechou os olhos e deixou que uma poderosa energia interna penetrasse por seu ponto de acupuntura Baihui, no topo da cabeça, destruindo em um instante a técnica que ela havia praticado por mais de dez anos.

Um jorro de sangue fresco saiu de sua boca, e ela caiu no chão, pálida e debilitada.

“Você não vai me perguntar por que estou tirando suas habilidades marciais?” Diante do silêncio dela, a pessoa parecia um pouco curiosa.

Devido ao gosto doce e metálico na garganta, Quarenta e Três tossiu de forma áspera antes de responder suavemente: "Sim.”

Em sua voz não havia o menor traço de ressentimento. Desde que foi trazida à Oficina Sombria, a primeira coisa que lhes ensinaram foi a dizer “sim”.

Aquela pessoa pareceu se lembrar desse detalhe e, sem evitar um sorriso, acenou com a mão. “Todos podem sair.”

“Sim.”

Quando Quarenta e Três recuou pela cortina de contas, todos já haviam ido embora. Ela se levantou com dificuldade, mas não ousou se virar e continuou a sair de costas, ainda voltada para as cortinas. Justo quando ela cruzava o batente, um súbito som de tosse vindo de dentro a assustou, fazendo-a quase cair. Felizmente, ninguém lá dentro percebeu.

O supervisor estava esperando por ela do lado de fora e lhe entregou uma bolsa de brocado roxo. Sem dizer uma palavra a mais, ele a fez subir na carruagem que já a aguardava do lado de fora.

Quarenta e Três sabia que, desta vez, ali dentro estava sua missão.

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“Mei Lin... Mei Lin?”

Ela apoiou a testa na moldura da janela, ouvindo as vozes risonhas das mulheres na carruagem. Uma sensação que não conseguia definir se era excitação ou melancolia subiu em seu coração. A partir de agora, ela teria que usar esse nome. Quarenta e Três, o número que a acompanhou por quinze anos seria para sempre enterrado na Oficina Sombria, um lugar que ela não queria sequer lembrar.

A partir de agora, ela tinha um nome, uma identidade, e até mesmo uma família inteira que nunca havia conhecido antes. Ela substituiu outra mulher.

Entre as trezentas beldades que vieram acompanhando a Princesa Zigü de Xiyan para o casamento político na Grande Yan, é óbvio que não foi apenas uma dessas belas ameixas que foi substituída por pêssegos. As mulheres cujo nome começava por “Kun” foram especialmente treinadas para isso; ela apenas teve sorte. Talvez, depois de quase cinco anos sendo enganado por ela, o supervisor finalmente tenha ficado impaciente, por isso decidiu se livrar dela dessa maneira.

Bom, finalmente poderia deixar aquele lugar cheio de putrefação e morte, e ver aquelas flores coloridas feito brocado que estão gravadas em sua mente. Mesmo que tenha perdido suas habilidades marciais, mesmo com o veneno que se manifesta a cada mês dentro dela, isso ainda é melhor do que viver competindo constantemente com os outros pela chance de sobreviver.

Neste momento já era outono. As florestas ao longo de ambos os lados da estrada oficial eram uma vasta e vibrante vegetação verdejante, onde se podiam ver tons de vermelho profundo e amarelo suave misturados, brilhando como flores primaveris. Mas, no fim das contas, não eram flores da primavera. De perto, quando vistas pela janela da carruagem, era possível ver claramente folhas secas e amareladas balançando ao vento e caindo suavemente, provocando uma sensação de desolação.

Mei Lin não apreciava isso, então desviou o olhar e sorriu, ouvindo as mulheres na carruagem conversarem.

 

À seguir: Capítulo 1 - Parte 2. 

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